O vereador Cauê Fuhro Souto (PV) indicou o pagamento de R$ 625 mil para uma associação presidida pelo próprio irmão em uma emenda impositiva no orçamento de 2025. O recurso é destinado a uma entidade denominada “Associação dos Amigos de Pelotas”, no entanto, o CNPJ é da “Brasil em Dança”, associação presidida por Ismael Fuhro Souto Cruzeiro. Cauê nega haver irregularidades.
Na Receita Federal, a associação aparece como dedicada ao ensino de esportes e artes cênicas. Porém, na emenda apresentada à Câmara, Cauê Fuhro Souto destina R$ 292 mil para reforma no Instituto Lar de Jesus, R$ 192,5 mil para reforma de banheiros da praça Coronel Pedro Osório e R$ 141.299 para reforma de banheiros do Mercado Central.
Além disso, a reportagem apurou que a associação constava como inapta na Receita Federal desde 2018 por falta de declarações e só foi regularizada em outubro do ano passado, semanas antes de o orçamento de 2025 começar a tramitar na Câmara. Também no ano passado, foi protocolada uma alteração de estatuto em cartório, que ainda não foi registrada e não pode ser consultada.
Embora os recursos sejam destinados a reformas, o CNPJ em nome do irmão de Cauê Fuhro Souto não está apto a realizar esse tipo de atividade. Nos dados da Receita Federal, a empresa Brasil em Dança está cadastrada para ensino de esportes, ensino de dança, produção de espetáculos de dança, ensino de artes cênicas, educação profissional de nível técnico e produção de espetáculos circenses.
No orçamento de 2025, Cauê Fuhro Souto teve à sua disposição mais de R$ 2,7 milhões, sendo R$ 1,3 milhão em emendas individuais e R$ 1,4 milhão em emendas de bancada. As emendas de bancada são divididas entre os vereadores de cada partido. Como Fuhro Souto é o único parlamentar do PV, pode indicar sozinho toda a fatia do orçamento.
A soma destinada à empresa do irmão é a maior entre as 12 emendas apresentadas por Cauê Fuhro Souto, entre as impositivas e de bancada, e representa 22,5% do total.
Contraponto
Cauê Fuhro Souto afirma que não há nenhuma irregularidade, que a Associação Amigos de Pelotas já existia e que houve uma fusão com a Brasil em Dança que, segundo ele, não é mais presidida por seu irmão. “Antigamente a Brasil em Dança era do meu irmão, não tem problema nenhum nisso. Ele não tem mais nenhuma relação”, sustenta.
“Para alocar recursos na Amigos de Pelotas eles não tinham formalizado dentro do padrão que deveria ser executado. Eles foram atrás de toda a assembleia, fizeram assembleia novamente, nos procuraram e perguntaram se tinha problema, eu disse que não tinha problema algum”, justifica o vereador.
“O que aconteceu foi uma união da Brasil em Dança com a associação, que sempre esteve ativa, que faz e presta serviço à população e teve uma alteração. Isso não tem nenhum problema na lei, não entendo qual é o problema que tem”, afirma Cauê.
Ele defendeu que é normal que vereadores destinem suas emendas a associações com as quais têm proximidade e “mais acesso”. “Estou super natural colocando os recursos na Amigos de Pelotas e tenho convicção de que as emendas vão ser super bem executadas.”
A reportagem tentou contato com Cláudia Tavares e com Ismael Fuhro Souto Cruzeiro, mas não obteve resposta até o fechamento da edição.
Como funcionam as emendas
Em Pelotas, as chamadas emendas impositivas existem desde 2021. Através delas, os vereadores têm o poder de indicar a destinação de parte dos recursos do orçamento do município que o poder Executivo é obrigado a pagar.
Após a sanção da Lei Orçamentária Anual (LOA), o governo tem 120 dias para analisar tecnicamente as emendas e retornar ao Legislativo as que tiverem algum impedimento legal para serem implementadas.
As emendas podem ser pagas de forma direta ou indireta. Na execução direta, é o próprio órgão do poder Executivo que é responsável pelo processo de aplicação dos recursos, como a realização de licitação.
Já na execução indireta, como é o caso da emenda de Fuhro Souto, as entidades sem fins lucrativos beneficiárias devem entregar as informações necessárias para a execução das emendas, que também passa por análise técnica da prefeitura. Mesmo que a emenda não seja executada pelo governo, ainda há obrigação de prestação de contas dos recursos gastos.
Ao todo, a Câmara de Pelotas indicou cerca de R$ 42 milhões do orçamento de 2025 através de emenda. Em emendas impositivas, cada vereador teve direito a R$ 1,3 milhão, enquanto nas emendas de bancada, foram R$ 14 milhões divididos entre os dez partidos que compõem a Câmara. Esse recurso de bancada é destinado em conjunto pelos vereadores de cada partido. Pela legislação, ao menos 50% das emendas deve ser destinado obrigatoriamente para a saúde.
De fiscalizador a fiscalizado?
Cauê Fuhro Souto tem 32 anos e assumiu como vereador em agosto de 2023, após a cassação de José Sizenando (UB). Desde que chegou à Câmara, tornou-se protagonista de polêmicas ao apresentar denúncias contra o governo da prefeita Paula Mascarenhas (PSDB), em especial um caso envolvendo desvios de recursos na secretaria de Assistência Social.
Nas eleições de 2024, não apoiou nenhuma candidatura ao Executivo no primeiro turno, embora seu partido seja federado com o PT, de Fernando Marroni. No segundo turno, Cauê apoiou a candidatura petista, mas antes mesmo da posse se afastou do prefeito eleito e criticou a composição do governo. Na Câmara, liderou um bloco de oposição e chegou a se lançar candidato à presidência do Legislativo, mas acabou derrotado.
Nas urnas, teve um salto expressivo. Em 2020, ficou como suplente após conquistar apenas 667 votos. Já na última eleição, quase quintuplicou sua votação, com 3.230 votos.
Assumindo o título de fiscalizador, Cauê Fuhro Souto tem nas redes sociais o principal canal de divulgação de seu trabalho, sendo uma das lideranças políticas pelotenses mais populares na internet, somando mais de 51 mil seguidores no Instagram.
